12 Setembro 2025

Portugal Entre a Doçura da Tradição e o Amargo da Inflação

Enquanto o Algarve se prepara para celebrar os seus sabores mais doces com o regresso de um evento cultural icónico, as famílias portuguesas enfrentam uma realidade bem diferente nos supermercados. O aumento do custo de vida, especialmente nos bens alimentares essenciais, lança uma sombra sobre o quotidiano, criando um forte contraste com as festividades que preservam o património gastronómico do país.

Lagoa Celebra a Doçaria Conventual

O município de Lagoa prepara-se para receber visitantes para a 21.ª edição da Mostra do Doce Conventual, que terá lugar de 3 a 6 de setembro no Centro Cultural Convento de São José e na sua área envolvente. Com entrada gratuita, o evento anual celebra a doçaria tradicional do Algarve, uma herança culinária baseada em receitas seculares transmitidas nos conventos portugueses.

Os visitantes terão a oportunidade de provar bolos, compotas, mel e bebidas regionais, como a aguardente de medronho, num ambiente de inspiração monástica. O programa deste ano inclui sessões de showcooking, ateliês de doçaria para crianças e animação cultural, além da inauguração de “Cinedoce”, uma exposição da artista Ana Remígio. Mais do que uma simples feira gastronómica, a Mostra do Doce Conventual sublinha o compromisso de Lagoa com a preservação do património cultural, a promoção dos produtores locais e a divulgação de sabores únicos que continuam a definir a identidade da região.

O Contraste: O Preço dos Ingredientes Essenciais Dispara

No entanto, por detrás da doçura destas tradições, esconde-se uma realidade económica mais amarga. Segundo dados da DECO PROteste, um cabaz de compras em Portugal está agora 17 € mais caro do que há um ano. Apesar de uma ligeira descida de 13 cêntimos (-0,05%) na última semana de agosto, para 241,17 €, este valor representa um dos mais elevados desde que a organização de defesa do consumidor começou a monitorizar o preço de 63 bens essenciais.

A evolução é clara: no início deste ano, a 1 de janeiro, o mesmo cabaz custava menos 5 € (-2,12%). Há um ano, a 28 de agosto de 2024, a diferença era de 16,54 € (-7,36%). Recuando até janeiro de 2022, os consumidores gastavam menos 53,47 € (-28,48%) para adquirir exatamente os mesmos produtos alimentares.

Ovos e Carne de Vaca Lideram as Subidas

No último ano, entre 28 de agosto de 2024 e 27 de agosto de 2025, os ovos foram o produto que registou o maior aumento: mais 60 cêntimos, o que representa uma subida de 41%. Atualmente, comprar meia dúzia de ovos pode custar 2,06 €, enquanto há um ano o mesmo produto ficava por 1,47 €.

Os ovos destacam-se também como um dos produtos com a maior subida percentual desde o início do ano, com um aumento de 28%. Se compararmos com janeiro de 2022, quando a DECO PROteste iniciou esta análise, o preço dos ovos subiu 81%, passando de 1,14 € para o valor atual.

Além dos ovos, outros produtos sofreram aumentos significativos no último ano, como a alface frisada (+38%), os brócolos (+33%) e a carne de vaca para cozer (+28%). Em comparação com janeiro de 2022, as maiores subidas percentuais verificaram-se na carne de vaca para cozer (+92%), nos ovos (+81%) e nas laranjas (+71%).

O Impacto do Fim do IVA Zero

A medida do IVA zero, que vigorou entre abril de 2023 e 4 de janeiro de 2024 para isentar de imposto um cabaz de mais de 40 alimentos, procurou aliviar a pressão sobre os consumidores. No entanto, desde o fim da isenção, o preço desse mesmo cabaz subiu 5,43 € (+3,82%), passando de 141,97 € para 147,40 € a 27 de agosto de 2025. A carne de vaca para cozer, os ovos e o sargo foram os produtos que mais encareceram desde o fim da medida, com aumentos de 36%, 35% e 34%, respetivamente.

As Causas da Escalada de Preços

Segundo a organização de defesa do consumidor, a subida dos preços dos bens essenciais pode ser explicada por um conjunto de fatores. A invasão russa da Ucrânia, uma importante fonte de cereais para a União Europeia, exerceu uma forte pressão sobre o setor agroalimentar, que já recuperava das consequências da pandemia de COVID-19 e da seca.

A oferta limitada de matérias-primas e o aumento dos custos de produção — nomeadamente de fertilizantes e energia — refletiram-se nos preços internacionais e, consequentemente, nos preços ao consumidor. No caso específico dos ovos, a crise global da gripe das aves levou a uma quebra na oferta, especialmente nos Estados Unidos, onde mais de 170 milhões de galinhas foram abatidas desde o início do surto em 2022, impactando os mercados a nível mundial.