“Durante a atual situação pandémica, houve uma redução da incidência das doenças infeciosas transmissíveis”

Em entrevista à Saúde Notícias, o pediatra Gustavo Januário reflete sobre as atuais taxas de vacinação em período pós-pandemia, bem como os principais motivos de recorrência às urgências hospitalares em idade pediátrica, a nível nacional.

7 Julho, 2021

O vírus sincicial respiratório (RSV) é o vírus que mais tem sobrecarregado a prática clínica pediátrica?

Este é, sem dúvida, um vírus que sobrecarrega muito os serviços. O vírus sincicial respiratório é para os pediatras, e sobretudo para os pediatras das crianças mais pequenas, quer a nível hospitalar, mas também a nível ambulatório, um vírus “espetacular”. E “espetacular” no mau sentido, porque apesar de ser um vírus ubíquo e de afetar sem gravidade milhares de crianças anualmente, é um vírus que pode ser particularmente perigoso nas crianças mais pequenas.

Temos, portanto, todos os anos um número muito considerável de hospitalizações e de carga de doença nos mais pequenos, mas também nas crianças até aos dois anos ou até aos cinco anos muito sintomáticas e algumas – nomeadamente as que tenham o diagnóstico de bronquiolite – a precisarem de cuidados médicos urgentes.

 

Ainda que sendo um vírus muito conhecido pelos pediatras, considera que os seus sintomas podem suscitar alguma confusão com a bronquiolite?

Nós não temos qualquer confusão no diagnóstico.

Uma bronquiolite é uma infeção respiratória de localização baixa, de causa viral. O RSV é o maior causador da bronquiolite. Nós não separamos o vírus sincicial respiratório das bronquiolites, mas reconhecemos o RSV como a causa. Muitas vezes, para além de um diagnóstico clínico, temos hoje a possibilidade montada em qualquer hospital e serviço de urgência, de identificar mesmo o próprio vírus como causa da bronquiolite, e não ser apenas um diagnóstico clínico, nós sabemos que aquele vírus é a causa daquela bronquiolite naquela criança.

 

Pode então afirmar-se que este vírus é um dos principais motivos de recorrência às urgências pediátricas?

Sim, os números são brutais. Em anos anteriores à pandemia, o RSV era o responsável pela maior taxa de recorrência ao serviço de urgência e de internamento. Portanto, é um vírus que todos os pediatras conhecem bem, que aprenderam a temer, porque a terapêutica destas infeções é uma terapêutica essencialmente de suporte e de oxigenoterapia naqueles que necessitam de suplementação em oxigénio.

A exceção a esta tendência foi a época pandémica, que um dia poderemos analisar mais friamente, tendo em conta que o SARS-CoV-2 alterou durante largos meses a epidemiologia completa de outros vírus, nomeadamente do RSV, bem como do vírus influenza, que causa a gripe. Tivemos, por isso, um ano de 2020 muito atípico, em que não observamos casos com estas infeções, mas são já vários os países que mostram a reemergência do RSV, e mesmo em Portugal atualmente já vemos esta mudança epidemiológica.

 

Teme que os grupos anti-vacinação, ainda que existam em números residuais, possam insurgir na atual situação pandémica que vivemos?

Felizmente, o que vemos em Portugal é um grupo bastante relativamente maior que nós classificamos “de hesitação” ou hesitantes em vacinar. Dentro deste grupo, os membros anti vacinação são residuais, porque a grande hesitação ou vacilância em vacinar tem sobretudo a ver com, naquilo que identificamos, falta de informação. Isto é, há pessoas que podem estar inicialmente hesitantes, mas o que precisam é de informação clara e rigorosa.

A minha experiência, é uma experiência muitas vezes contrária, no sentido em que nesta fase de pandemia, o que eu vejo e na minha prática clínica é que as pessoas aproveitaram até para ainda vacinar mais os seus filhos.

Na atual situação que enfrentamos, a rapidez na produção de vacinas anti-covid-19 é um acontecimento que a nós cientistas e médicos nos orgulha muito, e uma das questões fundamentais é a questão da segurança das vacinas. E as pessoas só tem de ter em mente que nunca houve tamanha dedicação, quer em termos pessoais, quer em termos de meios, quer a nível mundial no desenvolvimento de uma vacina. Temos de ter a consciência de que, ainda assim, os checkpoints essenciais do ponto de vista de segurança foram cumpridos. A falta de segurança é por isso um falso problema, pois aliás este foi um dos sistemas vacinais mais vigiados e mais seguros de que há memória.

 

Não considera, portanto, que a vacinação na primeira infância tenha saído descurada nestes últimos meses?

Apesar de não termos dados oficiais, a verdade é que nas primeiras fases da pandemia a taxa de vacinação baixou muito, pelas dificuldades inerentes de acesso aos locais de vacinação, nomeadamente aos centros de saúde. Mas, aparentemente, tem sido divulgado pela própria Direção-Geral da Saúde, que as taxas de vacinação voltaram a aumentar depois, tendo havido um período de tempo em que se criou-se um nicho de não vacinados, que podia ter feito ressurgir algumas dessas doenças infeciosas. O que é interessante é que não aconteceu, portanto a nível mundial. Isto tem sido um dado corroborado nos vários países: as doenças infeciosas transmissíveis baixaram imenso – provavelmente pelos efeitos do confinamento.

A vacinação, segundo dados da Organização Mundial de Saúde já salvou milhões de vidas globalmente, e é mesmo disso que estamos a tratar. Em Portugal, temos um programa nacional de vacinação muito completo, que abrange múltiplos organismos, que são causadores doenças graves e potencialmente letais em crianças. Um dos nossos maiores motivos de orgulho são as taxas de vacinação nacionais em termos globais.

Descubra mais sobre a Vacinação em Portugal

VACINAS
DO PROGRAMA NACIONAL DE VACINAÇÃO

A melhor proteção
contra doença

VACINAS
OPCIONAIS

Livres e opcionais
na protecção extra

VACINAS
DO VIAJANTE

Antes de viajar
consulte o seu médico