Cancro da orofaringe associado ao HPV
Por: Dr. Pedro Montalvão, otorrinolaringologista do IPO de Lisboa e membro do júri do evento HPV Clinical Cases 2020
O vírus do papiloma humano (HPV) possui imensos genótipos, dos quais cerca de 40 infetam tanto a mucosa oral como a mucosa genital. Destes, por volta de nove podem vir a provocar cancro, sendo os genótipos 16 e 18 os de alto risco.
No contexto da orofaringe – zona da faringe/garganta que inclui as amígdalas palatinas, as amígdalas linguais e a base da língua –, surgem 220 novos casos de cancro todos os anos em Portugal, sendo que o HPV está presente (HPV+) em cerca de 35-40% desses casos.
As principais causas de cancro da orofaringe, que atinge mais o sexo masculino, são a exposição ao tabaco e às bebidas alcoólicas e, como novo fator, a exposição ao HPV. Dependendo da causa, a idade em que o cancro da orofaringe tende a aparecer varia – 30-50 anos quando associado ao HPV e 60-70 anos quando ligado ao álcool e tabaco. Também existem diferenças relativas ao prognóstico (incluindo todos/as os/as estádios/fases), com um panorama mais favorável quando esta neoplasia está associada ao HPV.
O HPV surge na orofaringe por transmissão vertical (parto), por contacto oro-genital ou oral ou ainda por contaminação pelas mãos (autoinoculação) e o risco de contrair o vírus aumenta com o número de parceiros sexuais e com prática sexual precoce, para além de os comportamentos de risco serem ter múltiplos parceiros sexuais e ter contato oro-genital ou oral com pacientes HPV+.
Apesar de ser a infeção sexualmente transmissível mais frequente nos EUA, onde 75% dos homens e mulheres com vida sexual ativa têm uma infeção por HPV ao longo da vida, não devemos esquecer a disparidade entre o alto número de infeções por HPV e o baixo número de cancro da orofaringe HPV+ (35-40% de 220 casos por ano).
Por outras palavras, não se deve criar a conceção de que “sexo oral é igual a HPV e HPV é igual a cancro da orofaringe”. O HPV é um dos fatores para este tipo de cancro, mas a sua presença não se traduz obrigatoriamente nesta doença maligna. Embora não exista tratamento específico para a infeção por HPV, o sistema imunológico em 90% das pessoas elimina naturalmente o vírus em dois anos, sem nenhuma consequência. Quando o HPV persiste, não é eliminado, podendo ficar adormecido algum tempo, é que pode provocar o aparecimento de cancro, mas não é muito frequente.
Prevenir o cancro da orofaringe – um dos mais frequentes dos da cabeça e pescoço – passa por evitar comportamentos de risco, tais como não fumar, não beber bebidas alcoólicas, fazer consultas de rastreio em Ginecologia, Urologia ou Otorrinolaringologia para diagnóstico precoce de lesões relacionadas com HPV. A vacina para o HPV tem especial interesse na idade pré-sexual em raparigas e rapazes e foi apoiada recentemente pela FDA americana, que supervisiona os medicamentos, no contexto de cancro da orofaringe.
O diagnóstico precoce é o principal passo para um tratamento eficaz deste tipo de cancro, independentemente da causa. Sendo uma zona um pouco mais escondida, todos nós devemos estar atentos aos sinais de alerta – impressão ou dor na faringe que se mantém durante mais de 2-3 semanas, dificuldade ao engolir, dor na deglutição – e aos sinais de alarme mais frequentes – aparecimento de sangue na saliva, de ferida nas amígdalas e de tumefação no pescoço de crescimento progressivo. No geral, um sintoma que persista por mais de 3 semanas deve-nos levar a uma consulta de Otorrinolaringologia/Cabeça e Pescoço.