Semana Mundial da Imunização. “Um dos grandes problemas é a falta de literacia e informação adequada”
"Há um grande trabalho a fazer, pois continuamos a ter taxas de adesão muito baixas em algumas vacinas, devido a alguma resistência da população em aderir à vacinação", afirma o médico membro do GRESP, Tiago Maricoto.
27 Abril, 2022
A Organização Mundial de Saúde promove, de 24 a 30 de abril, a Semana Mundial da Imunização, com o objetivo de alertar para a importância de vacinação da população a um nível global. Em entrevista ao eVacinas, o médico membro do Grupo de Estudos de Doenças Respiratórias (GRESP) da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF), Tiago Maricoto, explica quais as principais fraquezas ao nível dos sistemas de saúde mundiais, bem como a importância de inverter estas taxas.
Sendo tema da Organização Mundial de Saúde (OMS) para a Semana Mundial da Imunização 2022 “Longa Vida para Todos”, o que ainda falta fazer para o atingir?
É na verdade um objetivo um pouco ambicioso e, também, um pouco vago, até porque ter uma vida longa não significa simultaneamente ter uma vida com qualidade. Temos visto, nas últimas décadas, que a esperança média de vida tem vindo a aumentar nos países mais desenvolvidos, mas, na verdade, esse ganho nem sempre se traduz numa melhoria da qualidade de vida. Começamos a observar cada vez mais idosos que, enquanto vivem mais anos, têm também um maior número de comorbilidades e uma maior necessidade de tratamentos.
Portanto, mais do que ter uma longa vida para todos, devemos esforçar-nos por atingir uma longa qualidade de vida para todos – é esse o objetivo de grande parte das medidas tomadas pela Medicina moderna.
De um modo geral, qual considera que ainda são os principais desafios relativamente à imunização a nível mundial?
De facto, a imunização – através das vacinas, de um modo geral – são um dos maiores avanços da Medicina moderna, nomeadamente a sua relação custo-benefício. A custos refiro-me não só ao investimento tecnológico global, mas também aos custos relativos a aspetos do perfil de segurança e efeitos secundários. Daí a importância de promover a vacinação de um modo geral.
Passámos por uma pandemia onde observámos o exemplo paradigmático da vacinação contra o novo coronavírus, que reduziu drasticamente o risco de mortalidade, bem como de hospitalizações e de doença grave na maioria dos indivíduos, mas este panorama verifica-se em todas as vacinas de um modo geral.
Quais as doenças para as quais os níveis de vacinação ainda são insuficientes?
Nos últimos anos, à custa do envelhecimento populacional, temos tido, por exemplo, como uma das principais causas de mortalidade e morbilidade, nas pessoas mais idosas, a pneumonia e as infeções respiratórias, sendo esta uma situação que vem reforçar a necessidade, também, deste tipo de vacinas.
A vacinação antigripal tem-se refletido num número crescente de pessoas a serem vacinadas, de ano para ano, muito em parte devido às campanhas de promoção vacinal. Antes da pandemia de covid-19, Portugal apresentava valores de cobertura vacinal que rondavam os 40% de cobertura na população idosa e imunocomprometida e, este ano, em grande medida devido à vacinação concomitante para a covid, atingimos taxas de vacinação de mais de 60% nestes grupos. Estes são números muito importantes, pois estes grupos de risco, quando não vacinados, ao adquirirem o vírus da gripe associado a problemas cardiovasculares prévios apresentam 8 a 10 vezes maior risco de ter um enfarte ou um acidente vascular cerebral (AVC), aumentando, consequentemente, o número de hospitalizações e taxas de mortalidade.
Em contrapartida, outra vacina importante, que ainda não tem a expressão devida em grupos mais vulnerárias, é a vacina antipneumocócica. Neste caso, um dos obstáculos prende-se com o facto de esta não ser uma vacina totalmente gratuita, mas sim parcialmente comparticipada.
Há um grande trabalho a fazer, pois continuamos a ter taxas de adesão muito baixas em algumas vacinas, devido a alguma resistência da população em aderir à vacinação, e isto é resultante, em parte, da falta de literacia relativamente aos seus benefícios e o potencial risco quando não administradas.
O Programa Nacional de Vacinação (PNV), já com 55 anos, sofreu em 2020 algumas alterações nomeadamente à inclusão de novas vacinas em idade pediátrica. Vê este como um ponto positivo para o futuro das nossas gerações?
Eu não diria que houve mudanças importantes só desde 2020. O nosso PNV tem vindo a sofrer atualizações nas últimas décadas, mas sobre as quais tivemos capacidade, até mais do ponto de vista financeiro, para as podermos incluir no PNV mais cedo. Refiro-me às vacinas do papiloma vírus (HPV) para raparigas por exemplo, bem como para o streptococcus pneumoniae.
No entanto, em 2020 houve introduções importantes no PNV, nomeadamente a vacina contra o HPV em rapazes e contra o meningococo do serotipo B.
A própria vacina antigripal é uma vacina que é gratuita para idosos e grupos de risco, mas é recomendada a qualquer faixa etária. Em alguns anos tem havido, por exemplo, algumas vacinas que, estando em sobra, acabaram por ser administradas gratuitamente a grávidas, quando estas ainda não constavam nos grupos de risco e gratuitidade.
Preocupam-no os residuais movimentos anti vacinação em termos de saúde pública?
Sim, devem-nos preocupar, apesar de especificamente em Portugal este não ser um problema que tenha atingido uma magnitude preocupante. No entanto isto tem sido um problema em muitos países europeus. Para dar um exemplo, realizou-se recentemente um inquérito a nível mundial, com uma grande percentagem de países envolvidos, com o objetivo de perceber as crenças que os vários países têm relativamente à eficácia da vacinação. Surpreendentemente, França apresentou-se como um dos países com maior descrença relativamente às vacinas.
Nos últimos anos temos observado movimentos antivacinais cada vez mais crescentes, sendo que isto mostra que temos um problema crescente na sociedade, que se pode vir a tornar num problema de saúde pública se assumir proporções que comprometem a imunidade que temos em determinados grupos populacionais.
É muito importante combater estes números, essencialmente com informação de qualidade, porque um dos grandes problemas é a falta de literacia e informação desadequada a que a população tem acesso sobre este tópico.
Qual a importância da Semana Mundial da Vacinação, criada pela OMS? Quer deixar algum conselho à população?
Esta semana é uma ótima oportunidade para fazer bandeira do grande sucesso que foi a vacinação contra covid-19, numa grande maioria dos países desenvolvidos. Essa bandeira é significante não só para mostrar a importante eficácia das vacinas, pois os números são completamente inegáveis, promovendo assim a chegada desta e de outras vacinas a toda a população mundial, bem como para melhorar as taxas de adesão à vacinação, quer sejam vacinas totalmente gratuitas e oferecidas pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS), quer sejam vacinas que não são gratuitas, mas que vale a pena fazer um investimento de as adquirir, pois o benefício da vacinação é inequívoco e inquestionável.
É esta a principal mensagem que quero deixar à população: vacinem-se.
SO
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