Meningite. “Adiar a vacinação coloca as crianças vulneráveis a doenças com elevados riscos de mortalidade”
"É fundamental que os receios inerentes à pandemia em curso não prejudiquem o normal calendário de vacinação e a normal vigilância de saúde", defende o pediatra João Crispim, relativamente à vacinação contra a meningite meningocócica.
8 Novembro, 2021
Com o início do ano letivo 2021/22 já com menos restrições nas escolas, voltam a surgir nos pediatras as preocupações habituais relativas ao contágio da meningite bacteriana. Neste sentido, João Crispim defende que se deve evitar, a todo o custo, o adiamento da vacinação da meningite, tendo em conta a gravidade desta doença e suas possíveis sequelas.
Quais as principais características da meningite bacteriana?
A meningite bacteriana pode ser causada por vários tipos de bactérias, entre os quais se destacam os pneumococos e os meningococos. A meningite bacteriana é uma doença grave, muitas vezes associada a envolvimento de todo o organismo, com uma mortalidade importante e frequentes sequelas permanentes nos sobreviventes.
Afeta predominantemente as crianças no primeiro ano de vida, mas a sua incidência aumenta novamente na adolescência. A meningite bacteriana na adolescência tem um prognóstico pior, revestindo-se de maior morbilidade e mortalidade, e é por isso alvo de preocupação neste grupo etário.
Considera preocupante o facto de 85% dos casos de meningite em adolescentes serem provocados pelo serotipo B do meningococo?
Naturalmente é algo que nos preocupa, especialmente por se tratar de uma doença prevenível. Dispomos atualmente de duas vacinas contra o meningococo do grupo B, encontrando-se esta vacina, inclusivamente, integrada no Programa Nacional de Vacinação (PNV). Infelizmente, a sua recente introdução no PNV apenas se dirige às crianças nascidas após janeiro de 2019, pelo que não abrange as crianças mais velhas e os adolescentes. Assim, as crianças e adolescentes que não tiveram oportunidade de se vacinar através do PNV estão ainda suscetíveis a contrair esta gravíssima infeção.
De acordo com um estudo divulgado em abril deste ano, realizado em oito países europeus, 50% dos pais adiaram ou cancelaram a vacinação dos filhos, devido à covid-19. Que repercussões pode ter este cenário em termos de saúde pública?
A infeção pelo SARS-CoV-2 nas crianças e adolescentes é, em regra, uma infeção muito ligeira, com escassas consequências tanto a curto como a longo prazo. As medidas instituídas para proteger as crianças e adolescentes não podem por isso ser mais deletérias em si do que os riscos da doença covid!
Adiar a vacinação, seja das vacinas incluídas no PNV, seja das vacinas extraplano, coloca-as nestes casos vulneráveis de contrair doenças com elevados riscos de mortalidade ou sequelas. É fundamental que os receios inerentes à pandemia em curso não prejudiquem o normal calendário de vacinação e a normal vigilância de saúde, sob pena de consequências mais graves do que as consequências potenciais decorrentes da infeção pelo SARS-CoV-2.
Que utilidade pode ter o surgimento do Pneumoscópio, a 29 de março deste ano, no combate aos atuais números de contágio de meningite na adolescência?
Todas as ferramentas de vigilância epidemiológica são vantajosas para a adequada prestação de cuidados de saúde. No caso em concreto do Pneumoscópio, pretende-se a adequada vigilância da doença pneumocócica, que vai permitir compreender a evolução da epidemiologia da doença pneumocócica e assim desenhar estratégias nacionais, mas também individuais, para combater esta doença. Só compreendendo bem um problema o poderemos enfrentar com eficácia.
Que conselhos deixa aos pais, bem como aos adolescentes, de modo a evitar a propagação da meningite?
Tal como faço na minha prática clínica diária, recomendo veementemente a vacinação contra todos os serotipos de meningococos e pneumococos. Existem várias vacinas disponíveis fora do PNV, contra o meningococo do grupo B, meningococo dos grupos ACWY, pneumococos de vários serogrupos. Prevê-se adicionalmente para breve o lançamento de uma vacina antipneumocócica mais abrangente, que cubra serogrupos emergentes, causadores de doença invasiva. O meu conselho é, portanto, de que os pais abordem ativamente este assunto nas consultas de seguimento com os médicos de família e/ou pediatras.
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