HPV é a segunda causa de morte das jovens portuguesas
Por: Dr.ª Teresa Fraga. Especialista em Ginecologia e Obstetrícia. Assistente Hospitalar no Hospital Cuf/Descobertas - Coordenação/Chefia da Unidade de Patologia Cervical. Membro do Comité Científico do evento HPV Clinical Cases 2020
A vacina contra o vírus do papiloma humano (HPV) foi desenvolvida na sequência da descoberta da relação direta entre a infeção por este vírus e o cancro do colo do útero. A vacina vai permitir, num futuro mais ou menos próximo, que a doença maligna do colo do útero deixe de ser o grave problema de saúde pública que ainda é: a segunda causa de morte das mulheres jovens em Portugal.
Em Portugal, as vacinas contra o HPV foram comercializadas em 2006-2007 e em 2008 foram introduzidas no Plano Nacional de Vacinação. A primeira vacina – G4 (tetravalente) – foi substituída em janeiro de 2017 pela G9 (nonavalente) e também o esquema vacinal protocolar mudou, passando de três doses para duas em meninas entre os 10-15 anos.
Por ser uma vacina profilática – e não terapêutica –, impede a infeção pelos tipos de HPV presentes na vacina, mas não trata diretamente as lesões causadas por uma infeção persistente. Assim, a eficácia ótima é obtida se a vacinação for dada antes do início da vida sexual, antes da primeira infeção e em adolescentes que não tenham presença de vírus nem lesão. A eficácia está muito perto de 100% nestas idades também porque o sistema imunitário está no seu melhor momento, perdendo eficiência a partir do início da idade adulta.
Isto não significa que não haja benefício na vacinação noutros casos – após início da atividade sexual, em mulheres mais velhas (sem idade limite), após tratamento de lesões por HPV –, como tem sido avaliado em trabalhos científicos.
Foi mesmo evidenciado um efeito protetor da vacina contra a persistência e recidiva de lesões pré-malignas do colo do útero em mulheres no pós-tratamento destas lesões. Isto justifica-se pensando, por um lado, que as mulheres que desenvolvem lesões por HPV demonstram fraqueza do sistema de defesa e, por outro, que a infeção natural com HPV não desencadeia anticorpos em cerca de 50% dos infetados, tenham ou não lesões. Assim, a vacina vai induzir a produção destes anticorpos e ajudar o hospedeiro a combater a infeção.
É sabido que a quantidade de anticorpos produzida pela administração da vacina varia com muitos fatores, mas parece também que o valor absoluto de anticorpos não é fundamental para a proteção conferida pela vacina… Por isso, a vacinação das mulheres mais velhas é defensável, e se há grupo em que ela seja importante é o das mulheres submetidas a tratamento de lesões do trato genital inferior, independentemente da idade.
As vacinas contra o HPV são muito seguras e, como não têm componentes vivos, o risco de induzirem lesão ou doença por HPV é nulo. A única contraindicação é a gravidez (por uma questão de princípio), embora nos casos de vacinação acidental de grávidas não tenha havido qualquer problema. E não deve ser administrada em pessoas com doenças agudas febris, nem em pacientes com hipersensibilidade a algum dos componentes.
Em relação à vacinação suplementar com G9 em mulheres que já tinham recebido a G4, a decisão deve ser feita caso a caso, ao avaliar o risco/benefício desta atitude, não havendo indicações nem contraindicações formais à sua repetição. De qualquer modo, deve aguardar-se um ano após a última toma da vacina anterior. Uma mulher que tenha começado vacinação com G4 pode completar com G9, mas sem contar com o benefício adicional de proteção contra mais tipos virais. Para isso, será necessário repetir o esquema completo com a nonavalente.
Existem ainda situações especiais, como sejam a infeção por HIV, as doenças autoimunes ou as doenças que exigem tratamento imunossupressor (transplantados) ou biológico, que condicionam o sistema imunitário. Nestas pacientes, a vacinação está recomendada, embora se considere sempre que a eficácia depende do nível de capacidade de resposta individual.
Em suma, a vacinação em mulheres com idades acima das recomendadas está atualmente permitida e a sua eficácia cientificamente demonstrada – ainda que possa ser inferior –, com riscos idênticos em qualquer idade. A idade limite constante no Resumo das Características do Medicamento (RCM) das vacinas tem sofrido variação, dos 26 anos inicialmente, passando pelos 45 anos numa fase posterior, até à atual ausência de idade limite.
Enquanto ginecologista dedicada a diagnosticar e tratar lesões relacionadas com o HPV ao nível do trato genital inferior, recomendo de forma frequente a vacinação de mulheres acima dos 50 anos, após tratamento de lesões pré-malignas do trato genital inferior, com muito bons resultados.